segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Sobre descongelamentos possíveis

Ontem assisti "Into the Wild".
História real - e essas sempre são as que mais fazem pensar.
Essas são as desprovidas da desculpa de ser apenas fruto da imaginação de alguém, porque, em sua essência, não são.
São fruto de experiência. De vivência. De realidade.
Chocante assim.
"Into the wild".
Não cabe aqui fazer uma sinopse - não é a minha finalidade.
Quero apenas uma observação. Uma análise. Constatação.
Um paralelo à vida. À minha. À sua. À de quem quiser.
Cansado do mundo, ou do sistema, ou das pseudo-verdades em que acreditamos, ou dele mesmo, um menino sai pelo mundo, depois de se formar. Não dá notícias. Não se despede de ninguém, não importa se é alguém "da base", ou se é um dos conhecidos em suas paradas.
Apenas transita entre espaços - não sei se buscando a liberdade ou fugindo dele mesmo. Acumula pessoas que o querem bem. Acumula carinho. Mas sempre parte. Sempre busca um desprendimento interno, uma "auto-felicidade" utópica.
Sempre parte.
Até que vai pro Alaska. Pro meio do nada. Ele e ele. Ele, o gelo, a caça.
"Into the wild".
E lá fica. Um ano. Sofrimento dos que, sem notícias, o amam.
Sentimento de culpa dos que, sem notícias, buscam um porquê.
E lá fica. Dois anos. Tentando encontrar o que ninguém consegue entender.
Sozinho. Buscando respostas, liberdade, felicidade, complitude, sei lá.
Buscando. Ingênua ou "egoisticamente" buscando.
Até que, um dia, encontra. Ou, sei lá se encontra, ou se dá conta de que não tinha muito o que buscar. Se abre pra ele o vazio daquele mundo de busca solitária que há dois anos ele sustentava. Ele percebe o vão de estar naquele gelo inóspito, fugindo e buscando dele e a ele, ao mesmo tempo. E decide voltar. Decide com alegria, como se tivesse encontrado no que sempre teve a resposta pro que sempre buscou.
"A felicidade só é felicidade quando é compartilhada".
Arruma suas coisas e parte. Mas, desta vez, pro retorno.
E caminha de volta. Caminha até se dar conta que o caminho traçado na ida agora estava descongelado. Caminha até perceber que o que antes era gelo, agora era rio. Violento rio, que o separava da possibilidade de retornar pro mundo e o forçava à voltar pra "busca".
Mas já não era isso que ele queria. E foi o que quis por tanto tempo...
Que ironia!
Ele já não era mais senhor das escolhas. O deserto, agora, era imposição.
E, agora, o maior desejo se voltava contra ele.
Maldita ironia!
E, daí, a valorização do que antes foi negado.
E, daí, a valorização do que antes foi tido como fútil e banal.
E que sempre esteve ali. Logo ali.
Depois de um tempo, ele morre. Morre preso. Preso na liberdade. Preso no seu sonho inconsequente.
Morre.
E eu, chorei. Putz! Chorei muito.
Como disse, um paralelo à vida. À minha. À sua. À de quem quiser.
Um paralelo.
Tantas vezes que achamos que estaremos pra sempre cercados de disponibilidades do mundo. De pessoas. De situações.
E seguimos em frente, contando com elas lá. Pequenas disponibilidades que nos conferem segurança, e que, muitas vezes, acreditamos que sejam tão eternas, que não olhamos. Não nos certificamos. Não zelamos.
E depois, quando queremos voltar, percebemos que deixamos o tempo passar e que o rio descongelou. Percebemos que a certeza que tínhamos, e que tínhamos até agora, existia apenas dentro da nossa ignorância. Percebemos que fizemos, ainda que sem ter consciência, uma opção. E lamentamos por termos optado sem optar, já que, pra gente, até então, estava mais pra uma postergação.
Enfim... percebemos que as escolhas cobram seu preço. Que não temos o mundo a nossa disposição....
Chorei. Lembrei dos meus rios descongelados. De pessoas queridas que eu achei que eram eternas e que não cuidei. Que achei que estariam pra sempre ali ou que eu não percebia a falta que iriam fazer. E que se foram. Simplesmente foram. Cansaram do meu egoísmo e de me assistir perdida nos labirintos criados por mim. E foram!...
E chorei. Lembrei de tantos rios que se mantiveram firmes. Tantas vezes que eu me perdi e que tinha tudo pra não voltar, mas que voltei. Agradeci a Deus por ter sido tolerante e ter mantido "congelados" rios que me trouxeram de volta à mim.
E chorei mais. Lembrei e agradeci também por todos os rios descongelados que eu consegui ter a força e paciência necessárias pra esperar a troca de estação pra poder regressar. Agradeci a aceitação. A serenidade. A paciência.
Mistura de choro de remorso e de agradecimento. De qualquer forma, choro de reconhecimento. De conscientização.
Chorei, por fim, por cada escolha do hoje. Pela re-descoberta do peso já sabido de cada ação. Se hoje opto por estar aqui, amanhã posso lamentar o descongelamento da possibilidade de voltar.
Um ode à responsabilidade para com os atos. À valorização.
É saber que toda opção implica em renúncias, e que temos que avaliar cada passo, pois em alguns momentos podemos voltar atrás... outros não...

2 comentários:

Anônimo disse...

lindo seu texto =)






(meu braço do mouse até ficou arrepiado)

Luciana Andrade disse...

Querida
Rios descongelados são sempre sinal de caos...
E qts pequenos riachos já passamos juntas....
Que louco isso...
Que pelo menos na incerteza dos rios tenhamos uma a outra sempre...