sexta-feira, 14 de novembro de 2008

vida distante acontecendo

hoje tá tudo meio distante.
os sons, as cores, as imagens.
tudo distante e frenético ao mesmo tempo.
assisto as pessoas como se eu estivesse numa bolha.
como se não fizéssemos parte do mesmo meio.
como uma análise ou sei lá o que.
as pessoas pisando em poças d'água, com pressa, correndo.
as gotas espirrando.
a mulher do meu lado fumando um cigarro, a brasa descendo.
vejo o trago entrando na boca, quase que em câmera lenta.
um homem fala ao celular.
os sons estão distantes e ecoando e eu não entendo o que diz.
acho que nem queria também.
está frio e tem um homem sem camisa deitado no papelão.
nas suas costas, uma cicatriz gigante de queimadura.
ele treme e eu fecho os olhos rápido, não querendo ver.
mas fica na mente. não adianta. vem e volta, de novo e outra vez.
...e o cara feliz do skate está lá.
Deus me perdoe, mas como ele me incomoda.
um pedaço de gente que fica na Sans Pena.
sem pernas, sem um dos braços e com o outro atrofiado.
fica num skate, com um walk man antigo que nem deve funcionar.
e ele dá bom dia, todos os dias, chova ou faça sol, pra cada uma das pessoas que passam.
ele não pede dinheiro.
ele não vende nada.
ele sorri e dá bom dia.
ele lembra me lembra cada dia como sou ingrata.
e me incomoda.
e me brota lágrima.
um hoje cinza, um hoje chovendo, e ele ali, dando com dia, no cantinho da marquise.
logo depois, ainda atordoada, vejo as pessoas descendo correndo na escada do metrô, num fluxo constante.
sombrinhas coloridas pontuam vida no mar de guarda-chuvas pretos.
e todos eles se fecham, sincronizados, ao término da escada e ingresso na estação.
e eu também entro.
silêncio.
cada formiguinha sabendo exatamente pra onde deve ir, numa ordem já conhecida.
corro pra entrar no vagão do metrô já quase de saída e empurro as pessoas pra poder encontrar o meu lugar.
caras de cansaço, de tristeza, de esperança.
cheiro de perfume, de cigarro, de guardado.
uma mulher velha, com um péssimo hálito, tenta puxar assunto.
eu sorrio sem dar trela, pra não estender o papo.
e ela tenta com outro e outro e outro.
e todo mundo muito ocupado com seu o próprio umbigo pra se preocupar com a carência daquela senhora.
e as estações vão passando numa contagem regressiva.
e é quase uma contagem regressiva pro meu dia começar.
eu, ali, na minha bolha.
tão distante e tão igual a todo mundo.
tão ocupada com o meu infinito singular, que é tão singular quanto o infinito de todo mundo.
mas isso, daqui da minha bolha, eu não vejo.
só vejo a vida distante acontecendo.
só me vejo aqui, vendo.
só.

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